O Grande Prêmio do Brasil de 1972 foi uma corrida da extra-campeontato da Fórmula 1 realizada no Autódromo de Interlagos em 30 de Março de 1972.
Foi realizada fora da pontuação da Temporada de Fórmula 1 de 1972 como teste para utilizações em temporadas futuras na modalidade. Foi aceita e passou a integrar o ano seguinte como uma das sedes oficiais do campeonato.
Foi o 1º Grande Prêmio do Brasil a ser realizado na modalidade.
Antônio Carlos Scavone estava certo em investir no crescimento passo a passo para no devido
tempo trazer a principal categoria do automobilismo para o país... mas o processo foi complicado.
AS DIFICULDADES ENFRENTADAS.
O ano de 1972 reservava como datas para as primeiras provas do calendário 23 de Janeiro para o
GP da Argentina, 04 de março para o GP da África do Sul e a fase européia do campeonato
começava dia 1º de maio, na Espanha.
A Fórmula 2 em 1971 foi o passo decisivo para Scavone conseguir trazer a Fórmula 1 para o Brasil. |
Seria mais lógico tentar colocar a prova extracampeonato no final de semana em seguida ao GP
no país vizinho... mas, como é até hoje, foram feitas algumas exigências para que Interlagos
pudesse sediar esta prova e assim, algumas reformas precisaram ser feitas... o que sempre
implicava em atrasos e com isso, claro, não seria possível ter a prova no último domingo de
janeiro, nem no primeiro de fevereiro.
Houve um risco até de não ser possível realizar a prova mas a habilidade de Scavone – e sua
persistência – fizeram uma daquelas coisas que, como dizemos, só acontece no Brasil: Tivemos
uma prova de Fórmula 1 no meio da semana!
De início, a prova seria no dia 31 de março mas a etapa do campeonato europeu de Fórmula 2, em
Thruxon, no dia 2 de abril, de esvaziaria a prova uma vez que diversos pilotos da Fórmula 1
também corriam campeonatos em outras categorias para complementar a renda que não era
nem de longe estas “carretas cheias de pneus” que vemos nos contratos atuais.Assim, a prova foi
antecipada para a quinta-feira, dia 30 de março.
O investimento feito para a realização do evento foi algo impressionante para a época. De acordo
com Scavone, cerca de 2 milhões de Cruzeiros (alguém quer se arriscar em fazer o cálculo de
quanto seria isso hoje?). Destes, cerca de 700 mil foram para o transporte e a estada das 110
pessoas que vieram ao Brasil entre diretores da FIA, chefes de equipe, mecânicos, pilotos e pessoal.
300 mil para o transporte dos equipamentos. Outros 700 mil foram depositados por exigência da
Associação dos Construtores de Fórmula 1 para a premiação dos pilotos. Além disto, cabia aos
organizadores todas as despesas com a divulgação, incluindo-se 10 mil posters, 50 mil programas,
outdors e mesmo os 7 mil litros de combustível utilizados. 70 mil foram entregues ao Automóvel
Clube do Estado de São Paulo que providenciou a organização e supervisão do evento. Também
foram os responsáveis pela colocação de um helicóptero da FAB para levar um acidentado para o
hospital das clínicas além de 8 ambulâncias. 180 funcionários trabalharam na organização da
prova, em sua maioria estudantes universitários. O corpo de bombeiros deslocou um efetivo de 92
homens e 12 viaturas com uma central de comunicação independente entre o autódromo e o
comando na capital para garantir a segurança. A Polícia Militar deslocou mais de 500 homens
para a região do autódromo.
Segundo Scavone, para que o custo fosse coberto, era preciso que a renda atingisse a casa de 1
milhão de cruzeiros (a venda efetiva de todos os 50 mil ingressos).
Construção do autódromo de Interlagos. |
Apesar de ser uma corrida de Fórmula 1, o que seria o início de uma nova era para o automobilismo brasileiro não teria muitas novidades para o público local. As grandes estrelas do espetáculo eram as mesmas da corrida de Fórmula 2, ocorrida alguns meses antes, no final de 1971 (Os brasileiros Emerson e Wilson Fittipaldi além de José Carlos Pace, o argentino Carlos Reutemann e o sueco Ronnie Peterson).
Por ser uma prova extracampeonato, muitas equipes e pilotos optaram por não cruzar o oceano para o evento. Em outros casos, era difícil arcar com a despesa de trazer um campeão do mundo como Jackie Stewart que pediam quantias elevadas para participar de eventos deste tipo. Assim, a Tyrrel – com Stewart e seu companheiro François Cevert – não veio. Se o campeão não veio, o vice – Peterson – veio, mas seu companheiro de equipe que também viria, o austríaco Niki Lauda, acabou não vindo e a equipe Hollywood alugou um March 711, do ano anterior, para Luiz Pereira Bueno. A Ferrari, que apesar do manifestado desejo do suíço Clay Regazzoni em participar da prova, também ficou de fora. Preocupada com o desempenho aquém do esperado nas provas iniciais e também com a prova do mundial de carros esportes, os 1000 Km de Brands Hatch e a equipe italiana usa basicamente os mesmos pilotos nas duas categorias. Com isso, além de Regazzoni, o belga Jack Ickx e o ítaloamericano Mario Andretti também não vieram. A McLaren manteve seus pilotos, o Campeão Denny Hulme e Peter Revson trabalhando no carro da equipe. A Matra, que participa do mundial com apenas 1 carro, nas mãos do neozelandês Chris Amon, preferiu não fazer a viagem. A Surtees também avisou que não viria. Andrea de Adamich que até viajou para o Brasil, retornou para a Europa na terça-feira. Além destes, Tim Schenken, Mike Hailwood, Rolf Stommelen entre outros, não vieram. Assim, apenas 12 carros iriam alinhar para a corrida, com a BRM trazendo 4 carros, para Jean Pierre Beltoise e Peter Gethin, Helmut Marko e Alex Roig. Howden Ganley ficou na Europa, testando o modelo P180. A Williams veio com seus dois carros, para Pace e Henry Pescarolo e a segunda Lotus ficou nas mãos de Dave Walker.
Clay Regazzoni queria vir, mas a Ferrari tinha outros planos. Na March, o jovem e promissor Niki Lauda viria... mas também não veio. |
Os primeiros treinos mostraram logo quem seriam os pilotos que, efetivamente, disputariam a prova... e mostraram logo o que preocuparia os pilotos e as equipes. Na primeira sessão de treinos, mesmo com febre, Carlos Reutemann marcou o melhor tempo, com 2m41.348s. Peterson foi o segundo com 2m41.950s e Emerson ficou em terceiro com 2m42.039s. As queixas residiram no excesso de gente “credenciada” nos boxes, fato que irritou Emerson Fittipaldi e a quantidade de sujeira na pista, visto que a reforma para que o circuito pudesse receber a corrida terminou poucos dias antes.
Entre as duas primeiras sessões aconteceu um fato interessante e inusitado. Inusitado por ser algo completamente impossível de acontecer nos dias de hoje (como tantas que aconteceram e aconteciam anos atrás) e interessante por ter um efeito simplesmente impressionante.
Ronnie Peterson pediu ao seu companheiro de equipe, Luiz Pereira Bueno, para dar umas voltas
com ele no circuito, em um carro de passeio e pediu para o brasileiro andar forte. Durante as
passagens, o sueco ia perguntando porque o brasileiro atacava as curvas da forma como fazia e
Luizinho ia explicando... Este fato nos foi contado pelo próprio Luiz Pereira Bueno.
Entre as sessões dos treinos da terça-feira, Peterson pediu umas dicas a Luiz Pereira Bueno... o resultado foi impressionante. |
Na segunda sessão o sueco simplesmente voou na pista e cravou o melhor tempo da terça-feira,
com 2m37.172s, mais de 2 segundos a frente de Carlos Reutemann, que marcou 2m39.498s. O terceiro tempo da segunda sessão foi da BRM de Peter Gethin, 2m40.988s, espantando – ou ao menos tentando – os problemas da sessão anterior onde os motores de 12 cilindros insistiam em não funcionar direito e até um motor fundido (Beltoise).
O dia 28 de março foi um dos dias mais quentes daquele ano na cidade e os europeus sofreram. Todos procuravam a sombra. O sueco Ronnie Peterson, oriundo de um país que fica quase metade
do ano debaixo de gelo (ou pelo menos ficava antes dos problemas do aquecimento global
terminava as sessões de treino completamente esgotado, sendo este um motivo extra de
preocupação para a sua noiva e futura esposa, Barbra, que impressionava a todos pela beleza.
Ronnie Peterson sofria com o forte calor em São Paulo sob os olhos atentos e preocupados da bela Barbra, sua futura esposa. |
Sofrendo como Peterson – ou mais – estavam apenas os membros da equipe Lotus... vestidos de preto da cabeça aos pés. Nos anos seguintes, os membros da equipe de Colin Chapman passaram a adotar na etapa brasileira garbosos chapéus de palha no lugar dos tradicionais bonés pretos (Contudo, as imagens sempre mostrarão o chefe da equipe jogando o tradicional boné negro na chegada da corrida de 1973... seria por demais inverossímil ver um chapéu de palha voando... os amigos hão de concordar).
A HORA DA VERDADE: A FORMAÇÃO DO GRID.
Na quarta-feira, com alguma borracha e um pouco menos suja, os carros voltaram para os treinos que definiriam o grid de partida para a prova.
Wilson Fittipaldi Jr. Tinha uma versão da Btabham (BT 33) anterior a do Argentino Carlos Reutemann (BT 34). |
A torcida brasileira estava preocupada, a imprensa também. Os irmãos Fittipaldi, não estavam indo bem Wilson tinha um carro de uma versão anterior a de Reutemann (o BT 33 e o argentino tinha o BT 34) e Pace sofria com os problemas do seu Williams.
Naquela época já havia guerra de pneus. E enquanto a Goodyear equipava March e McLaren, a Lotus usava compostos da Firestone. Claro que sem a tecnologia atual, diferentes compostos de borracha eram trazidos para as provas e também havia a diferença de diâmetro nas rodas 13 polegadas na dianteira e 15 na traseira. Sem ter um referencial anterior e apenas baseando-se que Interlagos tinha um asfalto novo, os técnicos trouxeram pneus de um composto mais duro.
A Goodyear obteve logo bons resultados nos carros da Brabham de na March de Peterson ainda na
terça-feira. Na quarta, os carros continuaram andando bem e foi aí que a genialidade de Emerson
Fittipaldi começou a aflorar.
As dificuldades no primeiro dia desapareceram graças a genialidade de Emerson Fittipaldi, que marcou uma pole fenomenal. |
No dia anterior, Emerson, que era a grande esperança de vitória, trabalhou para encontrar o melhor entendimento do comportamento da suspensão do carro, que era um carro novo. Apesar da preocupação com o desempenho aquém do esperado por parte dos jornalistas e torcedores, Emerson não demonstrava estar muito preocupado. Entre a terça e a quarta-feira, os mecânicos trabalharam em cima das informações passadas pelo Emerson. No dia seguinte, depois de algumas voltas, ele pediu que montassem um pneu de aro 13 polegadas e com perfil mais alto na traseira no lugar do pneu de aro 15. Com a nova configuração Emerson baixou, na primeira volta cronometrada, 3 segundos abaixo do seu melhor tempo de volta e foi melhorando passagem após passagem até obter nos últimos 10 minutos de treino um tempo de volta impressionante: 2m32.383s. Nunca um carro havia sido tão rápido em Interlagos. Ele fora mais de 2 segundos mais rápido que Reutemann (2m34.387s) e Peterson (2m34.616s). Wilsinho completaria a segunda fila.
José Carlos Pace conseguiu o sétimo tempo, à frente do seu companheiro, o experiente Henry Pescarolo, mas ele poderia ter feito muito mais. Os mecânicos levaram todo o dia para descobrir o problema no conjunto “pinhão-coroa” e Pace – efetivamente – treinou apenas nos 30 minutos finais. Para completar os brasileiros, Luiz Pereira Bueno classificava o velho March à frente de 2 dos carros da BRM, largando em décimo. Com um carro mais competitivo e um pouco mais de confiança dos mecânicos e do chefe de equipe, certamente teria uma classificação melhor para a largada.
UM RECORDE PARA LUIZ PEREIRA BUENO.
A equipe Hollywood, aproveitando-se da ocasião, solicitou a CBA e esta a organização da prova para que – no intervalo das sessões de treino daquela quarta-feira – fosse permitida a tentativa de quebra de recorde de velocidade pelo anel externo de Interlagos. O recorde pertencia ao próprio piloto, ao volante do Porsche 908/2, com 56.200s. Na tentativa, Luizinho deu 7 voltas. Na primeira, saindo com o carro parado, fez o tempo de 57.522s. Nas três voltas seguintes fez 52.053s; 52.019s; e 52.014s, assinalando o recorde a uma velocidade média de 211.963 Km/h. Mesmo se tratando de um recorde extraoficial, uma vez que não foi obtido em corrida, o mesmo foi motivo de festa para toda a equipe e Chico Landi, presente ao autódromo, deu a simbólica bandeirada ao March 711.
O DIA EM QUE A LOCOMOTIVA DO PAÍS PAROU.
Quem pode estar em Interlagos naquela quinta-feira jamais vai esquecer o que viu. Nunca se viu tanto público em Interlagos. Quem teve a chance de ter uma vista aérea, chegando de helicóptero, vendo a multidão que se apertava nas arquibancadas e invadira as encostas em torno da pista sob um sol infernal para assistir a corrida deve ter ultrapassado as expectativas mais otimistas dos organizadores.
Mesmo sem ter vivido a realidade de um Grande Prêmio oficial, com 26 carros alinhados no grid e que numa pista de 8 Km para apenas 12 carros apontava para uma prova sem muitas emoções... mas quem estava preocupado com isso? O importante era a festa, a celebração máxima. Teve gente que acampou, fez churrasco e pic nic no entorno do autódromo. Tudo era válido para se poder estar ali. Tudo menos jogar latas e garrafas vazias na pista como alguns vândalos fizeram. Se o Brasil realmente pleiteava receber uma prova do calendário da Fórmula 1, isso jamais poderia acontecer. Se dentro da pista fizeram isso, os anúncios colocados nas encostas do retão foram destruídos. Uma lástima.
Ao meio dia não havia um espaço vazio e estimou-se um público na casa dos 60 mil espectadores. Algumas nuvens pesadas começaram a surgir e houve até uma preocupação com uma real possibilidade de chuva, que acabou por não se consumar.
O público tomou todas as dependências de Interlagos... mas deixou a desejar em termos de educação. |
Os 11 carros que alinharam para largar – Jean Pierre Beltoise teve um problema na bobina e não conseguiu que partissem o motor de seu BRM – alinharam cerca de 200 metros antes das posições de largada. Como os carros teriam que alinhar e aguardar com giros altos sob o forte calor que fazia, a direção de prova teve esta atitude: Fazê-los avançar e, poucos segundos depois de posicionados, dar a largada.
O BRM de Jean Pierre Beltoise teve problemas durante todos os dias em Interlagos. Acabou nem largando. |
Quando o francês Paul Frere deu a bandeirada de largada para a prova, Emerson, que optou pelo
lado externo da reta e o argentino Carlos Reutemann largaram emparelhados. Peterson ficou
encaixotado atrás deles e Reutemann, na ânsia de buscar o ponto de tangência da curva 1, acabou
por abrir espaço para Wilsinho ultrapassar os dois e tomar a ponta. Reutemann, ficou espremido
e teve que dar uma aliviada no acelerador, o que permitiu que a Lotus tomasse a segunda posição
e os quatro primeiros colocados entrassem no retão na seguinte ordem: Wilsinho, Emerson,
Reutemann e Peterson...
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