Na primeira corrida, em 1972, quando algumas equipes vieram a Interlagos para homologar o autódromo, Émerson Fittipaldi chegou a distribuir ingressos, com medo de que o evento fosse um fracasso e inviabilizasse a prova do ano seguinte, 1973, válida pelo Mundial. O público acabou sendo bom. Mas no ano seguinte, já depois do primeiro título de Émerson, tomaram Interlagos de assalto. Não havia espaço para mais ninguém.
O acampamento na Reta Oposta era uma delícia. Gaúchos em grande número assavam churrasco e tomavam chimarrão; jogava-se baralho e frescobol para matar o tempo; discutia-se muito Fórmula 1. Livros, revistas e guias da categoria eram disputados. E, principalmente, fazia-se o possível e o impossível por uma foto de um piloto ou um autógrafo.
Largada do Grande Premio do Brasil de 1972. |
Os pilotos encontravam fãs que não mediam esforços para servi-los. O húngaro Csaba Soos, o Chaba, hoje profissional da área de turismo, descobriu que tinha uma cicatriz no abdome igual à de Jackie Stewart. Foi o suficiente para que, em 1973, na única vez que o ‘Escocês Voador’ correu no Brasil, Chaba se tornasse uma espécie de assessor particular do piloto nos três dias do evento.
Em 1974, o cantor sertanejo Lucio Flavio, do Mato Grosso, conseguiu driblar a segurança e, depois do treino de sábado, entrou no box da McLaren e conseguiu sentar em um dos carros. Um amigo ainda teve tempo de fotografá-lo antes que fosse devidamente expulso pelos mecânicos da escuderia de Émerson. Dias depois ele mandou cópias da foto para alguns jornalistas que ficaram espantados com sua ousadia.
Chegar perto de um carro de Fórmula 1 era o máximo. E havia formatos e cores para todos os gostos. Talvez por causa de Émerson Fittipaldi, a Lotus preta foi sempre a que chamou mais a atenção. A Tyrrell azul vinha em seguida. Entre os pilotos, depois dos brasileiros – Émerson, Wilsinho, José Carlos Pace – Ronnie Peterson era o favorito. O sueco, pouco expansivo, vivia cercado de admiradores e jornalistas que não cansavam de indagá-lo sobre seu estilo arrojado. Depois de Ronnie pontificavam Jackie Stewart, Jacky Ickx, James Hunt, Jochen Mass e os demais.
Um então cabeludo Ron Dennis não se importava de tirar seu carro, uma McLaren, da garagem em Interlagos e desmontá-lo ao ar livre para que fosse fotografado de cima, mostrando cada um de seus componentes. Cena muito improvável no universo contemporâneo da Fórmula 1.
Em 1973, já como bicampeão mundial, Jackie Stewart levou sua Tyrrell para o grid em Interlagos. Na primeira fila estavam Ronnie Peterson e Émerson Fittipaldi, com as duas Lotus pretas. Stewart, o oitavo do grid, ouviu as palmas – que, na verdade, eram para Émerson - e achou, por alguma razão, que eram para ele. Saiu do carro e foi agradecer o público das arquibancadas. Aí então foi aplaudido para valer.
As três primeiras corridas oficiais em Interlagos terminaram com uma tremenda invasão do público depois da cerimônia do pódio. As de 73 e 74, com duas vitórias de Émerson Fittipaldi (a primeira com Lotus e a segunda com McLaren) e a de 75, na única vitória de José Carlos Pace, com Brabham-Ford. A invasão alegre acabou permitindo que os mais afoitos conseguissem levar algumas ‘recordações’ da prova. Entre elas, alguns pneus, o capacete de James Hunt, um aerofólio de uma Tyrrell, as luvas de Ronnie Peterson, entre os objetos mais lembrados. Certamente eles devem estar agora na sala de algum velho entusiasta que não perde as transmissões da F1 no domingo de manhã e deve exibi-los como troféus para filhos e netos.
A sala de imprensa, longe das comodidades digitais de hoje, funcionava com máquinas de escrever, algumas máquinas de telex para jornalistas estrangeiros e de outros estados, uma sala escura para os fotógrafos revelarem seus filmes e mais nada. Falava-se alto e fumava-se à vontade.
Desenho do projeto do autódromo de Interlagos, traçado antigo. |
Traçado atual do circuito de Interlagos visto via satélite. |
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